Dona Pergunta vive de perguntar. Cada resposta é um gatilho pra mais arguição... Apaixonou-se muito cedo pela interrogação que nunca se cansa de seguir perguntando. Uma hora desconfia, noutra se angustia... Tudo é motivo pra indagar. Mas pra ela acreditar - que é bom e todo mundo gosta - na resposta, só mesmo em dia de segundo sol ou noite de boa lua. Não adianta responder mais longo ou apresentar novas provas. Pra Dona Pergunta há sempre indícios, pistas, cismas e haja tempo pra tanto interrogatório.
Acredita que ela, até quando dorme, interroga? Nas palestras de que participa, chega quase no final, naquela hora do público (o quê?) perguntar. Seu lema é “pergunto, logo existo”.
Mas podia também ser “indago, logo desconfio”. A senhora indagadora duvida até do espelho, briga (!) com ele: que sorriso besta é esse que não estava aqui ontem? Se sai à rua, linda que é, suspende as sobrancelhas e o pescoço pra quem a olha mais demorado. Antes de abrir o presente que chega fora da data, dispara: o que você fez de errado, hem? Tanta perguntação parece que não tem cura.
De pergunta em pergunta nenhuma resposta resolve. Mas, contudo, todavia, entretanto, para viver bem com a estimada dona indagação, descobri uma dica: pra cada pergunta, devolva um sorriso, um suspiro, um cheiro... Se ainda assim ela não se contentar, manda uma pergunta de volta só pra variar...
Vizinha da Dona Pergunta, tem a Madama Exclamação! Tipo Pollyana pandêmica, ela nunca questiona, jamais desconfia e, muito raro, deprime com a situação. Para ela, sempre há jeito pra tudo e se a refutam: Há a morte, ela exalta o jogo do copo, exclamando: Viva a encarnação! Em qualquer chat ou fila de banco presencial, a exclamativa madama espalha a rodinha com seu brado retumbante, sua chegada triunfal. Ela não fala, declama! Se a árvore está perdendo as folhas: Calma, já chegam as flores. Para ela, a falta de luz é pra brincar de sombras.
Madama exclamação é uma mistura de arco-íris com Elke Maravilha. Gosta de ouvir as pessoas sempre com a resposta pronta e um sorriso aberto - irritantes - para lamentos, dores, tristezas. Ela até hoje acha que la vie é rose mesmo quando chove há quatro dias! Se algo quebra é sorte! Se o carro não pega é proteção! Se nada acontece é porque ainda não é a hora! Quando a madama sai de carro, do nada, ela grita com a cabeça pra fora da janela: Iuhuuu! e gargalha.
Para conviver com tanta vida exclamada e não sucumbir aos ataques de iupis e yes (!), retumbe na caixa de som Vander Lee... ou ecoe Vinícius por Bethânia no celular. Sei que a madama exclamativa vai suspirar em reticências... Mas se, em seguida, o respiro fundo se transformar em animado drama e a vida voltar a ficar por demais exclamada, esconda os Citaloprans e leia em voz alta as notícias do dia.
Apaixonado pelas duas, o ponto final tem se transgredido em reticências. Simplesmente porque não consegue pôr fim aos diálogos entre elas. E toma bronca da excelentíssima Gramática que já lhe avisou: mais uma e é rebaixado a ponto e vírgula, viu? Quem está gostando da transgressão é a reticências que suspendeu os trabalhos e já partiu de férias pra Porto Seguro. Deitada na rede, ela sorri e só. A única vez que abriu a boca foi para informar que está em voto de silêncio, orientada pela monja Cohen...
Não pense que acabou por aí. A história dos pontos/pessoas é cheia de pausas, interjeições, choramingos, suspiros, disputas e surpresas. Pessoas-vírgulas, sujeitos-dois pontos, indivíduos-aspas povoam nossas vidas. E ainda tem o povo da acentuação. Pergunte a um ser-grave o que representa na sua vida uma pessoa-circunflexa... aiai... é muita resenha pra narrar. Aí então, deixemos para a próxima. Porque hoje o dia é da Dona Pergunta e da Madama Exclamação.