CIDADE

Shiiiiiitaaaakeee, oba, oba!

07/04/2022 10:00




 
De mãe preta e pai amarelo, ele nasceu diferente dos sete irmãos. Os olhos puxados já vieram delineados de lápis preto. Ainda pequeno, na Semana do Fazendeiro em Viçosa, parávamos de 10 em 10 metros para atender aos fãs. Chamava muita atenção por onde passava com seu casaco cinza e branco e botas pretas. Ele, entretanto, não se derretia aos chamegos, se era abraçado, resmungava. Bem que podia se chamar Marrento. 
 
Até hoje, aos três anos, resmunga quando acarinhado para a tristeza da mãe: Queria que ele fosse grudadinho. Mas o caçula é mesmo na dele. Quando achamos que já se acostumou com o dengo, ele escapa do abraço e dispara empolgado atrás do pai que, com sua paciência de monge, suporta pulos, empurrões e até mordidinhas. Apesar de grunhir para todo mundo, Shitake é um ser amoroso. Sabe aquele ditado “Cão que rosna não morde?” Ele é assim. Por sabermos disso, lhe agarramos de vez em quando para um carinho. Às vezes ele deixa, vira de barriga pra cima - adora ser escovado - roncando baixo. 
 
Eu hem? Tô indo pra minha caverna, maternidade melada, credo! Depois que se espreme debaixo do sofá (sua batcaverna) e mimetiza sobre o chão preto de cimento queimado, enxergamos apenas dois olhos reluzentes se fazendo de bravo. Encerado e brilhante, piso e pelo confundem a gente.
 
Essa pelagem... vai cair to-di-nha, kkkkkkk: o veterinário André profetizou para nosso descontentamento apaixonado por aquela criativa pelagem tricolor. Olha o neguinho da Mangueira aí, gente! Grita uma mãe. Você é um negão de tirar o chapéu, canta a outra.
 
Eu e Isabella somos daquelas que até atendem pelo nome de tutora ou dona. Shitake, entretanto, é nosso filho peludo, uma criatura de Deus que chegou à nossa vida pra nos ensinar muito mais do que cuidar e desapegar. Ele vem nos mostrando que é muito divertido ser essa metamorfose ambulante. Tem dia que ele chega tatu com o focinho de terra e em minutos é um coelho de orelhas eriçadas devorando todas as cenouras que ganhar. Na mesma tarde, substitui o rosnado pelo ronronar e vira gato no nosso colchão. 
 
Há algumas semanas cismou de rugir com os pontinhos lááá no bem alto do céu: urubus e gaviões.Sempre persegue mariposas e come mosquitos. Num feriado, Shita (apelido dado por nossa sobrinha Letícia) deixou-nos um presente no quarto: um passarinho morto! O rabo helicóptero e as orelhas em pé logo se abaixaram, dando meia volta: Vai entender... Trago um regalito e elas reagem assim, mães gritantes!
 
 
Esse seu jeito resmungão é o personagem que ele faz questão de manter. Em dias azuis e de brisa suave, pode cismar de emburrar e ficar espichado dentro da sua caverna. E não tem Shiiiiiitaaaakeee, oba, oba! que lhe mova. Ao chamado inspirado no grito da banda “Chiclete com banana”, ele atende desde novinho. Agora, a gente chama, ele para, olha pra trás, tomba a cabeça para o lado e vem se quiser. Obediente fica quando alguém chama lá na porta. Sobe pra varanda, fica vigiando e só retorna quando o portão se fecha. 
 
Shitake tanto gosta da sua caverna quanto de brincar sozinho jogando pra cima garrafas pets pra ele mesmo pegar. De manhã, ele chama pra corrida o pai Guga, que, sonolento, nem sempre vai. Ele insiste, corre, volta, late: Anda, papis! Depois de rodar toda a chácara, retorna com fome, mas se alimenta só se for na sua caverna: Elas não resistem. Late até a porta se abrir. Contorcionista, ajeita-se esperando sua ração. Do nada, sai chutando a vasilha e derrubando tudo pra pôr moral nas seriemas. Agora deram pra isso, tão achando que a casa é delas. Sai daqui, ô perna longa! Nosso grandão põe o povo pra correr.
 
Ciúme, acho que o Shitake espanta as aves por isso. Qualquer ser que se aproxime da casa e de nós três ele não tolera. Chia mesmo. No Carnaval, quase teve B.O. com o primo Dom: Não põe corda no meu bloco, ô perna curta! Contraditório, não gosta de agarramento, mas chega chegando se outro cão ou pessoa tocar alguém que ele ama. Empurra o Guga quando ele se encaixa no colo do tio João; ataca a Lelê de lambida se ela vem nos abraçar. Sempre rosnando.
 
Observando que ele também resmunga sozinho, temos pensado que são conversas com o mundo e consigo mesmo. Nosso cãozinho tricolor virou um grande falador preto luminoso que não tem medo de nada. Em noites de chuva, relâmpagos e trovões, enquanto o Guga à Scooby-doo nos pede colo em cima da cama, Shitake sobe atrás e dorme feito um anjo. Se lhe mandamos descer, faz cara de desentendido e pesa o corpo. No chão, ele não se deita: se joga! Pra dormir, “contar um caso”, ficar de olho, ser o que quiser: o caçula da casa, a esperança peluda, a alegria espichada, a companhia que não falha, o filho que tem-nos deixado feliz pra cachorro!






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