CULTURA

'Dri: suave, serena e alegre' em Laene ComVida

20/05/2022 16:00




“Ô gente, na volta vai ter bacalhoada!” Alguns dias antes da infusão das células tronco em BH, a encontrei em Viçosa nos trinques: vestido longo esvoaçante, colar comprido, rasteirinha bonita, linda e leve, magrela na passarela. A perda de cabelos a transformou em madame chique circulando de chapéu por aí.

“- Oi lindeza, como está hoje?”
 
“- Mais linda!” Nossas conversas via WhatsApp confirmam a pessoa pra cima em que Dri se transformou: suave, serena e alegre. Sim, teve descontrole, descompasso, desassossego. E também um coração armado de amor, com direito a ciúmes, cismas e novenas: “Cê boba! Santo Antônio tá sobrecarregado. Eu vou é pedir pra São José, o santo da família!”
 
Insistente, persistente e, às vezes, inconveniente, Adriana conseguia o que queria: os amores para as primitas, a vaga na escola para a filha e, mais do que o mundo, o colo materno:
 
“Lalazita, minha mãe está cuidando de mim, estou a-do-ran-do!” Nunca a tinha visto tão contente e orgulhosa: “Mãe me esperou pra despedir de pai.” Um orgulho de raiz, de pertencimento.
 
 
Adriana de Castro Mafra (Dri) fazia questão de ser-estar na família: visitava primas e tias, acompanhava-lhes no baralho, no bar, no hospital... palpitava nos tratamentos, nas rezas... Cuidava, do seu jeito, de familiares, amigas e estranhos.
 
“Deixa eu te falar, Jesus não é surdo, pode rezar baixo... Dei guarita, mas agora está abusando!” Isso foi quando ela pôs pra dentro de casa a mulher de fora que acompanhava a mãe na enfermaria do Hospital Gavazza. Da varanda do seu apê acompanhava o movimento do bairro. Brigou com vizinhos pelo silêncio e pela limpeza. Tornou-se amiga eterna da vizinha de porta.
 
“Acooorda, vocês estão doentes, só pode!” Gritava lá fora, gargalhando em um tempo em que nos víamos todos os dias. “Me leva ali? Vamos à Estação do Chope. Chegou pomada de vovô Pedro...”
 
Em Adriana, a fé transbordava: numerologia, patuás, terços coloridos, novenas, velas, terreiros e centros... Frequentou ritos e reuniões, entoou pontos e recebeu passes. Estudou a doutrina espírita e nela encontrou a paz. Na prática espiritual e no amor: “Este é o Meeeu Nêgo, encontrei em Ouro Preto!”
 
Sábado calorento: Sérgio e Adriana chegam para o churrasco e não se demoram. Não bebem. Têm compromissos com a espiritualidade. Enquanto ele detalha a situação, trocam olhares: paciência, ternura e cumplicidade. Mudam-se para Ponte Nova, vem a pandemia... Somem. Habitual de recém-casados, algum projeto mirabolante, voltaram para Ouro Preto?
 
07/04/2021: “- Luísa, como vc está? E sua mãe, queria tanto falar com ela.”
 
“- Assim que der te ligamos.”
 
05/07/2021: “- (...) Eu tinha que deixar ela te contar. Vai dar tudo certo sim.”
 
A calma recente e a alegria de sempre de Adriana embaçaram nossa inteligência. A doença raríssima exigia um tratamento delicadérrimo. Sem meio termo. Não enxergamos a gravidade.
 
27/02/2022: “- Quero fazer um texto sobre você. Posso?” O áudio responde em um minuto:
“Pode, mas me dá pra eu ler primeiro, hem?! Elogia muuuito, rá rá rá rá! Minha modéstia é enorme. Tô rindo aqui com Nêgo e mãe, sou pura inspiração.” No mesmo dia à noite, leio:
 
“Minha amiga, por favor, não faça o texto para o jornal. Te amo pra chuchu.” Frustro-me com a mensagem e adiamos o encontro.
 
01/03/2022: “- Ô, Lalá, estou indo pra Belo Horizonte, tenho um procedimento hospitalar amanhã, depois outro na sexta-feira. Devo ficar lá uns 12 dias, deixa quando eu chegar...”
 
“- Combinado, aguardo sua volta...” Nas trocas de mensagens-áudios-textos, sentia uma quentura de perceber minha amiga-irmã de infância madura, tranquila. Sua voz embargada não de choro, mas sim de sorriso, foi prenúncio e vontade de até logo: “Vamos aguardar as próximas luas.”
 
17/03/2022: “- Oi Dri, como você está?”
 
“- Tudo bem, viu a lua?” Insisto para escrever seu perfil, ela aceita, mas sem publicar:  “A idade... kkk... fiquei sistemática.” Até parece, Dri sempre teve seu sistema. Fazia a gente rolar de rir com suas tiradas engraçadas, seu jeito sério de cara lambida. Na volta de um show em Viçosa, domingo de estrada vazia, sem carona, com fome e com os sapatos novos em puro barro, ela repetia: “Eu não sou mulher de ficar na estrada esperando!” Todavia, pelas grandes coisas ela esperava. Rezava, acreditava, se preparava e aguardava por todos os finais felizes que mereceu.
 
Eu esperei, esperamos Adriana retornar. Porém a única certeza “ad aeternum” da vida é inesperada e surpreendente. Esperar jamais! Nós nos desesperamos pela morte.
 






UID:11397774/20/04/2024 06:22 | 0