CULTURA

Laene ComVida: 'Quem não espera também alcança'

26/09/2022 11:00




 
Depois da pandemia, das lives e da Netflix, confesso que viajar não é mais o top das galáxias (risos), mas houve um tempo quando qualquer feriado era sinônimo de estrada. Qualquer estrada. Na década de 90 eu encarei o mochilão na Europa. Dormia no trem, acordava a cada dia em um país diferente, tomava banho na estação, trancava a mochila no maleiro e andava pela cidade até a noite.
 
Anoitecendo, a caminho de Praga, me acorda um oficial falando tcheco! Entendo algo como “dokument!” Entrego meu passaporte quando o fardado rapidamente sai do trem e eu tenho que descer atrás. Não nos entendemos. Conclusão: sem o visto para entrar na Tchecoslováquia, sou colocada para fora. De noite, sozinha, pego o comboio da próxima partida: Munique. Chateada por não conhecer os telhados da medieval Praga, deixo a Alemanha entrar, sem querer, no meu roteiro.
 
O inesperado, geralmente, não é bem-vindo. Minha mãe detestava surpresas, preferia se preparar para elas. Mas comigo brincava de adivinhar. Cresci gostando do mistério, do de repente. Ao imaginar futuros, claro que não previa ciladas, principalmente em casos de viagens.
 
Para mim, viajar significa admiração, maravilhamento. Explorando destinos, me encanta perder-me pelas ruas e dar de cara com novidades, locais secretos, seres inesquecíveis.  Se o imprevisto do trem para Praga não foi nada agradável, passei por outros tantos, muito melhores.
 
 
Era sete de setembro de um ano pacífico. Naquele ano, o Dia da Independência nos inspirou experimentar um passeio mais próximo, valorizando nossas atrações regionais.
 
Arrumamos a mala para conhecer o Parque Estadual do Rio Doce: moletom, tênis de caminhada, short, camisetas e “será que levamos biquínis?” Na maior área de Mata Atlântica de Minas Gerais com mais de 40 lagos, sabíamos que o clima estaria fresco, mas na possibilidade de cachoeiras e barco... Biquínis, toalhas e um protetor solar foram pra bagagem.
 
Uma amiga nos explicou o trajeto: de Ponte Nova para Rio Casca à BR-262, sentido São José do Goiabal. Para o parque seriam duas horas e pouco. Decidimos sair no dia sete, quarta-feira, por volta das 10 da manhã. Assim estaríamos no nosso destino na hora certa do tira-gosto com a cervejinha. Garantimos a água, dois chocolates e a música: pen drive musical no ponto e pronto.
 
Apesar de feriado, o tráfego segue tranquilo. Sem caminhões nem barreiras, nada de paradas e polícias. Passam pela estrada, canaviais, depressão na pista, pessoas na beirada, paredão de pedra e nuvens nubladas. Não chove, não faz frio nem calor. Daquele jeito que não tem cansaço no volante.
- Olha que horta imensa.
- Olha pra frente, isso sim.
 
 Na direção, vou lendo as placas pra não errar a entrada: “Rio Casca. É por aqui”. Passam quebra-molas, posto de fiscalização, posto de gasolina, gente vendendo fruta... Cantam Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Calcanhoto, Tom Jobim, Rita Lee e nós junto. Rodamos perto de duas horas e nenhuma indicação para o santo da goiaba. Fome (chocolates), sede (garrafinhas de água). Chegam Matipó, Santa Margarida... Realeza! “Acho que erramos.”
- Estamos indo para o Espírito Santo!
 
Em meia hora, Manhuaçu, Martim Soares. Aos risos, decidimos: “Do parque para a praia!” Num pulo, surge Pequiá. A placa azul ao lado da estrada indica: divisa de Estados, Espírito Santo, Minas Gerais. Bem à frente, outra verde informa: Vitória 201km, Guarapari 219km e Linhares 337km.
 
Esticamos mais duas horas e meia até Domingos Martins, cidadezinha alemã que mais parecia um vazio cenário. Sem pressa rompemos o caminho, admirando a pedra azul, parando onde dava vontade: café, mirante, orquidário...
 
Chegamos a Guarapari sem pressa no início da noite. O feriado prolongado dificulta nossa hospedagem. Quase tentando noutra cidade encontramos a pousada da dona da boutique pontenovense que foi alagada na enchente de 2001. “Ajudei a salvar vestidos chiques e cheques que boiavam naquela água marrom”.
 
A proprietária da hospedaria (lotada) reconhece Isabella e nos arruma um quarto na pousada da Rita. Nada como o mar! A troca foi pra lá de boa. Não tínhamos bolsa nem saída de praia, mas mochila e shorts.
 
Essa história me lembra a da personagem Mafalda, cuja mãe, ao sair para o mercado, grita:
- Não abra a porta para ninguém, ouviu, Mafalda? Ao que a menina responde:
- Mamããããe, e se for a felicidade?
 
Medo, preço de combustível, nervosia, preconceito... Não tivemos obstáculos para espichar a viagem. Juntas, ultrapassamos o inesperado. Já que a ideia era prolongar, driblamos o trânsito da volta e só retornamos às Minas Gerais na segunda, de tarde. Esperávamos um ótimo feriado, mas alcançar o mar foi uma delícia imprevisível!
 






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