CULTURA

Ah!... O teatro

06/10/2022 11:00




 
A Academia de Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova (Alepon) homenageava a artista Laene Teixeira Mucci. O evento apresentava músicas, depoimentos e declamação. Foi quando o moço de voz firme e gestos largos silenciou totalmente o público que lotava o auditório da OAB. Gigante, ele sussurrava, entoava trechos, me conquistando. 
 
Você já se arrebatou por uma letra de música ao ouvi-la em voz alta? É isso que acontece com a poesia declamada. A gente sente o impacto da palavra e o ritmo da frase. O sentido de tudo nos entra não somente pelo cérebro, mas pela pele. É feito vento batendo na cara no tempo em que andar de moto não exigia capacete. Foi isso que aquele encantador rapaz fez naquela noite de inverno. Lucas Izidório Lacerda me fez prestar atenção e me sacudir pelo texto "A Danação do Castigo". “Absurdo de poema”, me disse o declamador, no último domingo, dia 2 de outubro.
 
Marcamos pela manhã logo depois de votarmos. De meias coloridas, uma camisa social preta e branca listrada arregaçada nos cotovelos, calça verde e o cabelo espesso amarrado no alto da cabeça, Lucas me recebe sorridente no portão da casa de seus pais. Na entrada da sala, uma mesinha com a bíblia e uma parede superverde. Sentamos no sofá de costas para quadros coloridos: “São dos alunos do meu pai”, ele me conta. De cara quero saber como ele faz pra conciliar a advocacia com o teatro. Os olhos vivos me demonstram deliciosamente a impermanência da vida (ainda mais aos 20 anos!). O advogado que era artista virou um artista-advogado, bem contente com a virada.
 
Dizia o escritor Guimarães Rosa que a vida quer da gente coragem. Deixar de lado a profissão que lhe dava uma boa renda não foi fácil. “Foi uma barra, viu? Isso foi um dos motivos de eu ter entrado em crise até decidir. Vou sustentar isso mesmo? Bater no peito e fazer isso? Nossa senhora!”  A decisão do Lucas foi movida por algo muito maior do que agir com o coração (do latim coraticum, cor de coração, mais aticum, de agir). Ele foi levado por uma questão de saúde.
 
Mais precisamente, seguiu o conselho da atriz Fernanda Montenegro para os jovens atores: “Vá embora. Se sentir que ficou doente sem aquilo, você volta.” Foi isso que aconteceu. O advogado estava indo bem. Ninguém no Fórum estranhava seu terno cinturado, gravata rosa, cabelos em pé e esmalte preto. Lidava na Vara de Família. Após cinco anos de graduação na Universidade Federal de Viçosa, trabalhava há dois anos em Ponte Nova e daí recebeu dois convites: atuar na peça “Morrer nem morto”, do grupo teatral Viver com Arte, e declamar na homenagem à artista Laene. 
 
“Declamei, em 2017, na homenagem e estreei no teatro em 2018. Aí me deu uma coisa... Gente, não posso deixar de lado não. É assim que eu quero que minha vida seja.” Pronto, lá se foi o advogado se inteirando artista para Ouro Preto estudar Artes Cênicas.
 
 
A intensa ligação com o teatro, ele me narra rindo, vem desde bebê: o pai artista e professor, Luizinho, e a mãe professora, Keila, o puseram para ser o menino Jesus no Auto de Natal do colégio. Lá pelos oito, dez anos de idade, participava constantemente dos festivais de declamação nas escolas municipais e dos eventos da Alepon e Secretaria de Cultura: “Isso foi meio que enraizando assim.” Por volta dos 11 anos, Lucas enlouqueceu com a apresentação do contador de histórias Robert Carlos Ramos e passou a contar histórias em tudo que era acontecimento da Educação na cidade. Atualmente, a experiência na contação lhe ajuda nas aulas com as crianças da Apae em Ouro Preto: “Gosto muito de trabalhar com e para as crianças.”
 
Lucas, o que você mais ama e o que o tira do sério? Conversamos sobre um monte de coisas, mas vira e mexe o assunto caía de novo e mais uma vez no teatro: “Me arrebata fazer teatro e na vida sentir o poder da arte de acessar as pessoas, sabe?”  
 
Provavelmente um monte de gente (você também?) está achando que é paixonite juvenil, loucura trocar a advocacia pelo teatro, mas nosso protagonista tem as ideias bem articuladas. Ele ama visceralmente o teatro: “Se não estou me exercendo artisticamente, dando aula, fazendo ou escrevendo peças teatrais, eu adoeço.” Contudo encara a arte cênica também de forma racional, como profissão, tendo exercido o teatro institucional e empresarial: “Se não encarar com seriedade, não se consegue fazer teatro no Brasil.” 
 
Essa mistura de pensar com o coração e agir com a mente me faz sentir a certeza de que o Lucas estará onde ele mesmo se enxerga daqui a 10 anos: no palco. 
 
Saio da sua casa: “Dona Laene muito fez e tanto sentia falta de teatro.” Ela dizia: “É coisa estranha, não larga a gente.”






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