CULTURA

Laene ComVida: 'Aparecidinha: perguntou, respondeu; pensou, falou'

18/11/2022 12:20




 Ao contrário do seu nome, ela não faz questão de aparecer, aliás, ama estar só. Prefere ficar em casa a na balada com as amigas, ainda mais sem cadeira pra sentar e mesa pra comer! “Na minha idade, não me convida que não vou!”, repete na risada. Até parece que estou falando de gente idosa. A pessoa com a qual converso nem chegou aos quarenta. Na verdade, sua sensatez ora setenta e espontaneidade ora sete nos enganam. 
 
Na verdade mesmo o que importa a idade da vida de Aparecida das Dores Godoi? Mais importante é o tempo em que ela leva pra viver. E o tempo é de céu aberto. Aparecidinha é uma das pessoas mais francas que eu conheço. Uma sinceridade que não beira à grosseria, só é funda no “o que eu penso eu falo”. 
 
Firme e delicadamente, “nossa caçulinha” (como a chamava minha mãe) conseguia limitar as mil visitas que surgiriam ao dia, salvando a dona da casa da exaustão. Correr ali, trazer uma encomenda e ouvir; fotografar a colagem, fazer o café e segredar; atender a porta, ligar o PC e contar a vida; colar papéis etecetera e etecetera? Aparecida cuidava. Um cuidado que de emprego virou sentimento puro, dedicação voluntária. 
 
“Não sei se no momento daquele trabalho eu fui tomada por um amor por aquela pessoa, porque eu não encarava mais como uma profissão. Depois disso eu não trabalhei como cuidadora”. No dia a dia, entretanto, ela vem cuidando. Ajudou a tirar os pais do aluguel e cuida dos sobrinhos Letícia e Levi. “Cuido dos meus sobrinhos demais da conta, pareço uma criança com eles.”
 
Nessa manhã, Aparecidinha me conta que foi uma criança diferente, gostava de andar sozinha, subir em árvore, parar na natureza, ficar olhando, escutando, imaginando...“até o barulho do vento”. Repetindo as palavras finais como que declamando sua fala, adicionando “Graças a Deus” ao início ou fim de quase todas as frases, fico admirando seu jeito original e simples, nos exatos termos. 
 
Aparecida preserva sua autenticidade: fala sem desviar os olhos. Um falar com ênfase nas paradas da palavra que vai explicando as ideias do seu jeitinho. Um estar no mundo simplesmente, sem complicar. Perguntou, respondeu. Pensou, falou.
 
Por acaso esse jeito tem algo de timidez? “Eu era muito tímida, ainda sou...” Eu não a considero dessa forma. A meu ver, Aparecidinha marca bem sua presença.
 
Quando era secretária da minha mãe, dirigia-se às donas e donos da casa (e a quem quer que fosse) sem rodeios. Direta e natural, ela resolvia os mais diversos assuntos, de cara (!), com qualquer pessoa ou empecilho. Presenciei suas ansiedades e coragens e também, mais tarde, seu medo diante do novo trabalho na loja de brinquedos e no Café. Apesar do obstáculo amedrontador, Aparecida, contudo, conseguiu ultrapassá-lo e me explica o que/como fazer: “Pegar o medo e olhar ele na minha mão”. 
 
 
 
Assim ela tem feito: põe o sentimento debaixo do braço e faz o necessário. Esse dar conta deixa Aparecida feliz: “Hoje no meu trabalho eu até me admiro porque sou capaz de estar ali naquele ambiente (cozinha de restaurante) difícil mentalmente, os trabalhos são muitos, não só para quem está cozinhando, pra todo mundo, me orgulho de estar sendo capaz”. No caso dela, o orgulho não vem da ostentação, arrogância, narcisismo. É somente o que acontece, ela não omite, simplesmente relata. Medo e timidez nem passam perto.
 
O que Aparecidinha chama timidez eu denomino sensibilidade. Porque, antes dela se pronunciar, ela ouve, observa, enxerga, considera, sente e só então fala, mas nem sempre. 
 
- “Você ficou sabendo e não me contou”? Sua mãe lhe pergunta.
 
- “Eu já sabia. Achei desnecessário. Não cabe a nós falar, julgar, espalhar”, responde reta.
 
“Desnecessário, a gente consegue.” Desse modo inclusive ela respondeu a quem ofereceu ajuda quando, sozinha com a mãe, passou uma dificuldade na roça. Aparecidinha cortou cana e cortou a mão - “Fatiei essa mão aqui toda semeando adubo” -, capinou e varreu ruas em Santa Cruz do Escalvado.
 
Atualmente, ela é auxiliar de cozinha. Ademais, já foi balconista e barista. Apesar de me dizer que ainda tem muito medo de tudo, sabemos que, de trabalho, ela não tem: “Gosto de trabalhar, não quero jamais depender de ninguém!”
 






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