Tenho evitado há algum tempo usar roupas e adereços verdes e amarelos - e vermelhos - para evitar provocações. Logo eu que adoro meu colar do Brasil, minha bolsa da bandeira e aquele rubro suéter. Não que me importe com a opinião fashion alheia (tive um colega de trabalho que gritava “Zeeeiro!” toda vez que me via de azul. Quase aposentei o casaquinho cyan e a calça celeste usados na meia estação, rs), mas não quero ser importunada.
Na quinta passada fui pra rua de camiseta branca com três faixas amarela-azul-verde no peito. Mirando de banda os transeuntes também coloridos, tentava adivinhar seus lados. Alguns também me olhavam interrogando. Copa estranha. Mais da metade de mim queria voltar pra casa e uma pequena parte seguia para o “Bossa Nova”.
Acho (inconscientemente) que por esse nome é que decidimos sair na chuva fina para assistir ao jogo do time brasileiro. Não erramos, o lugar é decorado com fotos das feras da música brasileira: Milton, Rita, Chico, Bethânia, Tom, Caetano, Gal, Alcione, Belchior e, a mais importante para a dona do bar: Elis! Além do pôster no palco, das fotos no banheiro, sua cachorra de estimação se chama Elis Regina. Amantes da MPB, eu e Isabella, então,estamos em casa.
É estranho tanto verde e amarelo ao redor, sem briga, sem arma, sem discurso. As garçonetes vestem a blusa preta da seleção: luto ou neutralidade? “Sem cisma!”, penso em voz alta.
“Meu Brasil brasileiro”: o verso de Ary Barroso na camiseta quadriculada da Isabella me convoca: “Se joga” no patriotismo.
E essa TV que não liga... O moço do telão chega esbaforido na última hora. Os jogadores já aparecem enfileirados. Silêncio no bar: Hino Nacional, arrepio. A bola rola, a vuvuzela grita. O som da corneta de plástico me joga lá atrás...
Meu irmão loiro está desenhando no papel quadriculado o famoso soco no ar do Pelé (1978?), nossa casa transpira Copa do Mundo de Futebol: álbum de figurinhas coladas com grude, Nelinho, Leão...
O gol olímpico do Éder, Zico, Reinaldo... Abraçada à nossa bandeira (1982), minha amiga Margarida chora a seleção canarinho sem a taça na mão. A entortada do Romário “faz” a bola entrar no gol (1994), Bebeto... é tetra! Roberto Carlos chuta a bandeira do escanteio no triste 1998.
Na nossa vida, a Copa sempre foi acontecimento. Camiseta criada, rua pintada, tema musical...
Gol! Berra rouco de novo a corneta: do Brasil! De rebote do camisa nove. “Brasiiiiiiiil!” Grito, pulo da cadeira e soco o ar. Onze minutos depois, o mesmo jogador marca: um golaço de voleio, pura arte, do jeito que a gente gosta. O bar explode! As pessoas agora se confirmam em olhares “Brasil silsil”: o casal da mesa atrás me entrega sorrisos diante dos meus saltos de meia idade; a moça faz do vidro de álcool microfone e ronda as mesas feito o Galvão Bueno “É dele, Riiiii-charlison!”; a vuvuzela repica enquanto a senhora passa para o banheiro balançando a bandeirinha; Isabella gira que nem mestre-sala. Pronto. Todo mundo de repente se (re)conhece e se contamina.
Não é Covid, não é meningite. É “o vírus do amor dentro da gente”, como canta Rita Lee. Amor por nossa bandeira agitando, amor pela bola furando a rede. Amor por estar junto e torcer, na mesma emoção.
Voltamos pra casa pra lá de meia-noite. Felizes e de alma lavada com todos os bordões a que temos direito - É hexa! É do Brasil! Vai que é sua, Taffarel (ops!)
- Nem conheço os jogadores (risos).
- Ri-char-lison é o nome dele! (imitando o locutor).
O Google e o YouTube nos contam: ele joga na Inglaterra. Na pandemia, doou cilindros de oxigênios para Manaus. É disso que o povo gosta: craque dentro e fora do gramado. Um prato cheio para a mídia brasileira reportar, repetir e inundar nossas telas: “A jornada do herói de bom coração.” Não tem problema. Vamos ver e rever. Comentar e compartilhar. É mesmo inesquecível: o jovem pombo fez o país, com o perdão do trocadilho, catar de volta nosso Brasil brasileiro. Pra frente, Brasil!