CULTURA

'Praia, prazer e profissão': Laene ComVida

06/05/2022 12:00




 
- Quem vem lá? A figura estranhíssima se aproxima de bermuda branca, sapatos marrons sem meias, camisa comprida, chapéu à la Indiana Jones e fones grandes no ouvido, carregando uma pá com furos no ombro e na outra mão um cabo com uma larga rodela de metal que vai rastejando pela areia, à beira mar! Puxo assunto: - Como está? Os óculos de garrafão se mantêm presos ao chão: - Divertido. 
 
O ser (humano?) definitivamente não estava na Bahia, ele não sorria. Na mesma manobra avançava e voltava uns 40 metros, circulando um rastro apertado até sumir nessa espiral. - O cara parecia um homem-siri do futuro distópico...
 
Rodamos de carro por quase mil quilômetros para matar a saudade da nossa curuminha/carrapatin loiro, de mainha e painho que nos esperavam com um peixe caprichado e um pirão pra lá de bão. Depois dos perrengues pandêmicos, nós cinco merecíamos dias praieiros. 
 
Ah... Mar! Boas mineiras, fomos saudá-lo na sexta-feira nublada. Soberano, nos acolheu morno e manso. Transcendente e profundo ao que possamos pensar ou sentir. Sempre que encontro o mar, só respiro e olho e admiro e me silencio. Os portugueses certamente se sentiram no paraíso. Porto Seguro tem uma costa esplêndida rodeada de (alguma) Mata Atlântica. Para além da água morna e ondas calmas, possui um povo prazenteiro.
 
 
- Pode fotografar, minha rainha, mas compra uma pulseira, vixe?! O menino me passa o periquito australiano manso que ele traz no ombro e dessa vez é ele quem troca as bugigangas, a simpatia e a paisagem pela riqueza dos nossos (poucos) reais. Quisera ter muitos para trocar pela alegria, leveza e astral dessa gente que trabalha em pleno sol rindo à toa. Com exceção da mulher aperreada vendendo biquínis: - Turista não dá pra entender, os muitos vendedores ambulantes chegam de boa: sorridentes, alegres e arretados. - Me chamou? Chega um homem (rindo) oferecendo chapéus. 
 
Não sei se o bom humor é estratégico tipo quinto pê do marketing (produto, preço, praça, promoção e pessoa, lembra?). Não importa se os sorrisos não têm dentes e o homem-aranha está com a roupa gasta, a turistada se entrega ao encantamento e compra: picolés, canecas, empadas, panelas, pulseiras...
 
- Vai um cheirinho aí? De tudo que eu vi vendendo, o mais diferente são as bolas de sândalo embaladas nas amarelas redinhas de frutas. Vindas de Belém. - Pra tirar traça do guarda-roupa, cheiro de mofo e aromatizar a casa, me ensina seu Israel, que todo dia acorda às seis no bairro Baianão, arruma as bolinhas que fez na noite anterior, pega a bicicleta para as orlas de Taperapuã, Mundaí e Coroa Vermelha. 
 
Seu jeito de vender destoa da exaltação dos outros vendedores. A voz baixa envolta no aroma da raiz perfumada é uma presença tão rara na praia que quase peço um Chai indiano gelado ao garçom. 
 
Enquanto ele me conta do ofício de 30 anos, entremeando a fala com sua boa risadinha e um “Rum Rum” concordante, penso que o sândalo, além de sustentar a família, tem contribuído para sua paz e boa saúde.
 
 
- Conhece um homem que varre a praia com um detector de metais? Tenho que achar aquela criatura.
 
- Serve aquele? Reginaldo Teixeira dos Santos está garimpando metais na maré baixa. Há três anos, ele e a esposa, Miriam de Souza Viana, fazem do detectorismo sua principal renda. - Isso aqui é como pescar, você não sabe o que vai pegar, mas vai assim mesmo. Ao mesmo tempo em que me explica seu trabalho, Reginaldo mergulha o detector na pegada da onda, enfia a pá, revira a areia,desenterrando lacre de latinha. 
 
O som do aviso no fone é o mesmo para alumínio, inox, ouro ou bijuteria. Protegendo-se do sol dos pés (sapatilha aquática) à cabeça (boné), Reginaldo garante que a profissão não é moleza e que é também um esporte caro: - Este detector custou 9.200 reais e a pá, 600. Friso sempre que a Internet e o Youtube mostram uma realidade que não existe. Tive vontade de pedir para “dar uma volta” com o aparelho, quem sabe não acho uma aliança de “gente rica”. - Nós, da classe baixa, temos mais cuidado, a aliança fica mais apertada... 
 
- Ei! O detectorista chama a mulher, que passa. Miriam segue séria, não responde ao marido. Corro atrás dela, me apresento. Sem parar ela me responde: - A maré já tá subindo. Entendo que precisam aproveitar o momento que resta e me desculpo. Ela para um pouco: - Também faço artesanato, vendo roupas. Ele te falou que tem vontade de ir a Minas? E logo apressa o passo nas crocs rosas. Combino de esperá-los voltar. Mas o tempo no mar não obedece à gente.






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