CIDADE

Laene Comvida: hoje é 19 de abril. E dai?

19/04/2024 15:15




 “Minha indiazinha bororó”: birra infantil ou angústia adolescêntica não duravam quando meu pai assim me chamava. Talvez pelo meu cabelo super hiper liso que não segurava nenhum pregador (hoje chamam de presilha tique-taque), olhos um pouco puxados. Era um elogio não só porque vinha do meu afetuoso seu João, mas porque índios pra mim eram a liberdade, a beleza, a natureza e a sabedoria.

Cresci amando índios ou, no politicamente correto, indígenas. Ao lado do meu pai, na década de 70, torcia fervorosamente por eles nos faroestes. No início dos anos 80, cantava a pleno pulmão “todo dia era dia de índio”. No mesmo ano, adorava bailar ritaleeneanamente “se Deus quiser um dia quero ser índio (...) ser um bicho preguiça espantar turista...” Em 1987 fiquei fã do cantor Sting após seu encontro com o cacique Raoni. Por volta dos 90, meu coração bateu junto com a terra na roda de dança do ritual Toré, comandada pelo ambientalista Kaká Werá na Serra do Rola-Moça.   

Hoje, me arrepio inteira com “um índio descerá de uma estrela” na voz de Bethânia, aplaudo Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras e morro diante das imagens do massacre yanomami. Em 2022 presenciei, orgulhosa, a marcha dos Pataxós rumo ao centro histórico de Porto Seguro, em protesto pela visita do (ex) presidente defensor de invasão e exploração das terras indígenas e apoiador do extermínio do povo originário na Amazônia. O massacre acontece desde o “descobrimento” (ainda bem que as crianças já aprendem na escola que foi a chegada, melhor seria, a invasão).

As chegadas de colonizadores sempre foram sangrentas. Às custas do sofrimento dos povos primitivos. Foi assim com os incas e mapuches (Peru e Chile), quíchuas e aimarás (Bolívia), massacrados pelos espanhóis; os aborígenes (Austrália) e os Maiori (Nova Zelândia) invadidos pelos ingleses, etc., vida afora.

 Desde que o mundo existe, nações constroem soberanias pela violência: o império romano, o imperialismo estadunidense autoritário que insiste em controlar os outros países e, mais recente, Israel que quer porque quer expandir seu território matando gente, muita gente, em Gaza. 

Não concordo e não compreendo a ignorância bélica. War na minha opinião deveria ser apenas o jogo de tabuleiro. Pra quê ter mais território às custas da dor alheia? Que vantagem há de acabar com as culturas e tornar o mundo globalmente pasteurizado?

Quem invade, conquista e coloniza detesta o diverso. Considera-se um ser superior, regente da verdade absoluta, única, igual. Adota monoculturas, empobrece o solo e não aprende. Desmata, mata bicho e, pra assenhorar-se ainda mais, mata seu semelhante. Desequilibra o clima e insiste em não relacionar a estupidez humana às enchentes, tempestades, aquecimento do planeta. Segue queimando, envenenando, poluindo. “Dane-se o futuro!”

Enquanto isso, há tempos, quem cuida, preserva e honra a Terra são seus donos reais que ancestralmente sabem que não é uma questão de propriedade, e sim de pertencimento. Se pertenço, me importo, não estrago.

Você aí pode estar pensando: “Quanto romantismo!”

Não sou a curuminha encantada do papai e nem de longe a seguidora do indianismo de José de Alencar. Na história da causa indígena brasileira, há sobretudo misturas. Não só de raças, mas também de visões e vivências de mundo. Temos índias evangélicas e índios agroboys. Brancos e estrangeiros que morrem assassinados defendendo o direito dos indígenas.

Na minha infância, hoje, ouviríamos que os índios vivem “preservando o equilíbrio ecológico da terra, fauna e flora”. Estudante salesiana, nunca achei bondade nas gravuras da primeira missa e outras catequizações. No fundo, me incomodava aqueles portugueses “se achando” por aqui.

As boas línguas dizem que minha tataravó foi pega no laço, então, meu sangue é bororó. Melhor dizendo, puri ou aimoré (os povos nativos de Ponte Nova). 

Por acaso, alguém aqui tem total certeza de que não possui nem um pingo de fluxo sanguíneo indígena?







UID:11438068/02/05/2024 16:59 | 0