CIDADE

Laene ComVida: 'Jared: voz de trovão e um coração imenso'

31/05/2024 14:40




 Ao me esborrachar na rampa vermelha da garagem na casa do vizinho, perco na hora a vontade de “pôr gesso” na perna ou braço.

“- Viu? E vocês com essa bobeira de querer engessar. Não quebrou nada.” A voz forte dos braços que me carregam até minha casa acalma meu choro. Ela tem um dono grande, uma cara brava. Voz de trovão que nos mete medo, mas também dispara nossa risada. Seu grande dono gosta de piadas, passarinhos e futebol.

“- Meu flamenguista querido!” Vizinhos, já adulta, assim eu lhe gritava do portão. Da esquina, arregalando as duas esmeraldonas, me virava a cara num muxoxo. Botafoguense de sangue, Cruzeiro de coração e Baêta de corpo e alma, Antônio Paulo Pires, o Antônio Jared, apertava minhas bochechas, sorrindo sempre: “Boneca!” 

As piadas ele gostava de inventar: “Não vou mais à missa de São Pedro não! Ah, eu chego lá, parece que Jesus tá me chamando, não vou lá não!” Ria desmanchando o certo receio que causara na nossa infância. Jaredão punha moral, a gente estremecia, mas também sentia uma coisa assim de acolhimento e proteção.

Uma vez deu um espalho na filha Vânia que curtia uma fossa com a amiga Eliana Carraro pelos amores platônicos, ouvindo “Love of my life”:              

“- Podem parar! Chorando por causa de marmanjo folgado?  Tomem vergonha na cara, vocês têm que se valorizar mais!” Bravo e protetor.

“Na hora em que ele vinha chamar a atenção, eu tremia até as canelas”, conta rindo a filha Edina, lembrando mais ainda do seu jeito divertido:

“- Ô pai, fulano de tal morreu.”

“- Coitado. Antes ele do que eu, minha filha.”

Firme e cuidadoso, era ele quem tomava conta da prole quando a esposa, Ludovina, trabalhava em três turnos ou estudava em São João Del Rey. Imagina olhar sete crianças (Vânia, Nair, Beth, Antônio Alfredo, Edina, Cláudia e Renata) com seus respectivos amigos que enchiam a casa. Agora estão explicados os cabelos fortemente penteados pra trás. “Puxava até nossos olhos”, recorda Edina.     

Lá de casa se ouvia a alegria da casa vizinha. Risadas, casos, bate-papos. Seu Antônio conversando com os conhecidos que passavam. E a prosa, quase sempre, futebol.           

 Treinador do Pontenovense Futebol Clube (PFC), o Baêta, montou um time de base e os fez campeões do titular. “Xerifão, se deixasse ele dava até tapa na orelha. O técnico Jared administrava a garotada na maior categoria”, lembra com carinho o zagueiro José Flávio dos Santos, Zezé Didite. Ele educava. Numa viagem, deu aquela bronca nos adolescentes que acabaram com a comida: “Vocês não comem em casa? Que falta de educação!” Nas vitórias e nas derrotas, o grupo era unido. Os que se destacavam, ele levava para times profissionais. Foi quem primeiro treinou o craque Reinaldo.

“- Mas por que para o Atlético, Jared?”

“- Foi o jeito, o Cruzeiro não quis.”

Além do futebol, Jaredão adorava música. “Era um pé de valsa”, conta a irmã Dorita. Não perdia um baile no Pontenovense, gostava de samba e de dançar. A filha Nair era a parceira preferida. “Os dois dançando era um espetáculo”, enfatiza Eliana Carraro.

Mais do que o esporte, a dança e a sua Vila Oliveira, Jared era apaixonado por Ludovina, sua esposa. Falar de Conceição é falar de Antônio. Assim se chamavam. Ela, tranquila, certinha. Ele, festeiro, brincalhão. “Pai trouxe leveza para a vida de mãe”, opinam as filhas Renata e Elizabeth. Um casal bonito que saía à rua de mãos dadas.

“- Cadê, Conceição?”, chega Antônio Jared ao céu.

“- Quem é aquele bonitão de terno marrom?”, Conceição Ludovina levanta os olhos do livro.

Aposto que ele vai tirá-la pra dançar.

Este perfil foi escrito com a preciosa ajuda de pessoas a quem muito agradeço: Edina da Conceição Rodrigues Pires, Eliana Marques Carraro, José Flávio dos Santos (Zezé Didite), Maria Helena Pires Vieira, Nair Auxiliadora Pires (Dorita), Renata Rodrigues Pires e Sílvia Regina Pires Cordeiro.







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