CULTURA

‘Ser aceita e amada pela família me fez estar viva hoje’

09/06/2024 17:00




 Conforme anunciamos na edição passada, como fizemos em anos anteriores, dedicamos as edições do mês de junho ao “Mês do Orgulho LGBT+”, abordando temas variados com pontenovenses e outros convidados de fora que têm feito muito pela comunidade LGBT+.
 
Em 2/6, aconteceu em São Paulo a “Parada SP”, que vem consolidando-se a cada edição como a maior parada LGBT+ do mundo. Neste ano, contou com a presença de mais de 3 milhões de pessoas e o tema foi “Basta de negligência e retrocesso no legislativo: vote consciente por direitos da população LGBT”, buscando conscientizar a comunidade sobre a responsabilidade que o Congresso Nacional tem de promover e resguardar os direitos dessa população. Muito oportuno o tema, pois é na eleição municipal que os deputados e senadores jogam pesado para garantir espaço nas eleições de 2026. Ao votar neste ano, portanto, pense muito bem no destino para o qual você estará ajudando a encaminhar o Brasil.
 
Nesta primeira edição contamos com o comovente depoimento da youtuber e mulher trans Paula Ferreira, do podcast QueenCast. Confira:
 
 “Quando minha mãe sentiu a dor do parto para eu vir ao mundo, meu pai, desesperado, foi pra rua e parou uma perua que vendia ovos e pediu para que os levasse ao hospital e foi quase em meio a ovos quebrados que eu quase nasci. Foi no dia 11 de abril de 1972. 
 
Ainda criança, me lembro de brincar sozinha no quintal fantasiando que eu era uma princesa que veio de outro mundo. Então quando alguém sugere que eu já fui homem, eu sempre trago essas lembranças para reafirmar que não, eu nunca fui homem, eu sempre fui uma princesa. 
 
Minha relação com a minha mãe era e é de cumplicidade. Na escola, foi o tempo mais cruel que vivi. Outras crianças apontavam minhas diferenças, com ofensas e exclusões, e assim foi até que mudei de escola e fui para uma noturna e agora aos 14 anos enfrentava os adolescentes. 
 
Eu ia a pé pra casa após a aula, mas muitos alunos eram levados na carroceria do caminhão. Eu andava muitas quadras até que o caminhão cheio de alunos passasse por mim, mas sempre coincidia de eu estar próxima de um rio. Esses alunos me xingavam, gritavam nomes horríveis, era doloroso, triste, até que eu comecei a me esconder na beira desse rio para evitar os xingamentos. Hoje penso o quanto era perigoso, à noite, uma criança com meia perna dentro do rio para fugir do bullying.
 
Aos 20 anos fui de Foz do Iguaçu para Campinas: lá foram muitas descobertas sobre existir outras pessoas como eu. Sabe a história do patinho feio que apenas não se encaixava? Pois é, foi algo assim! Aprendi mais sobre meu corpo e, de maneira resumida, entendi minha transexualidade. Eu entendi que dava pra viver a vida que eu sempre tive, viver quem eu sempre fui, uma mulher. Fiz terapia hormonal, me batizei de Paula em homenagem ao meu pai, que nos deixou ainda nos meus 11 anos. Me tornei cabeleireira, profissão da minha mãe, mas essa escolha não foi minha: para uma pessoa trans nos anos 1990 ou era ser cabeleireira ou prostituta, com raras exceções. As mudanças vieram sobre muitas lutas e eu estava lá na primeira Parada de São Paulo, em 1997. Por conta dessas conquistas, me formei em produtora e gestora cultural, fui jurada de cinema nacional e internacional, produzi videoclipes, realizei o sonho de ser modelo - e isso aos 41 anos - e aos 50 eu abri um desfile na Casa de Criadores. Sou casada há 11 anos e apresento um podcast no YouTube (QueenCast). 
 
Nada foi fácil, porém eu devo essa vivência a uma base familiar. Ser aceita e amada pela família me fez estar viva hoje. Eu sinto que vivi muitas vidas dentro de uma. Sou muito feliz.”






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